terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Uma nova pesquisa aborda a questão dolorosa de quando alguém decide por fim na própria vida

Um texto de Carol Ezzell Webb, ex-redatora das revistas Scientific American e Nature, traduzido e adaptado* por Erinete Leite.

Em 1994, dois dias depois de voltar feliz com minha família das férias, minha mãe de 57 anos de idade colocou o cano de uma arma apontada para seu peito esquerdo e disparou, o que perfurou seu peito deixando um buraco limpo e letal através de seu coração - e, metaforicamente, através do coração de nossa família. Isso foi em uma noite de sábado, por volta da meia-noite, em julho.

Depois disso eu fiquei surpresa em saber que, no Hemisfério Norte, há uma maior incidência de suicídio. Meu padrasto estava em casa, mas não ouviu o tiro porque ele estava tomando banho em um banheiro que fica na outra extremidade da casa. Quando ele voltou para seu quarto, ela estava caída no tapete vestida em seu pijama. Ela tentou dizer algo para ele antes de morrer, mas ele não conseguiu entender o que era.

O médico de emergência e técnicos chegaram para socorrê-la, mas não era o que eles esperavam encontrar. Meu padrasto quase morreu nessa mesma noite pois, com o choque, ele começou a hiperventilar e ele tem seus pulmões já comprometidos por um enfisema.

Com tudo isso, eu estava dormindo no meu apartamento a 300 Km de distância. Fui despertado às 2:00 da madrugada por uma chamada da recepção do meu prédio, dizendo que a minha cunhada estava no térreo e queria subir. As minhas primeiras palavras para ela quando eu abri a porta foram: "É sobre a mamãe, não é?".
A nossa família está junta com milhares de outras no sofrimento e agonia de ter um ente querido que se suicidou. Anualmente, 30.000 pessoas nos EUA ** tiram suas próprias vidas. Isso é cerca de metade do número de pessoas que morreram de AIDS no ano passado. Por que elas fazem isso?

Estima-se que há uma constatação de doença mental em 60 a 90% dos suicídios ocorridos nos EUA. Com minha mãe, não foi diferente. No caso dela, sofria de psicose maníaco-depressiva, também chamada de transtorno bipolar. A menos que estejam tomando e respondendo bem à medicação apropriada, os maníaco-depressivos oscilam entre um poço de desespero e picos de euforia ou agitação. A maioria dos que terminam com suas vidas tem um histórico de depressão ou psicose maníaco-depressiva, mas as pessoas com depressão grave diferem em sua propensão para o suicídio.

Os cientistas começaram descobrindo dicas comportamentais que levam ao suicídio e também estão explorando pistas para diferenças anatômicas e químicas entre os cérebros dos suicidas e daqueles que morrem de outras causas.

Se tais mudanças puderem ser detectadas em exames de imagem ou através de exames de sangue, os médicos poderiam ser capazes de um dia identificar aqueles com maior risco e acionar estratégias para que a tragédia não ocorra. Infelizmente, esse objetivo ainda não está nem mesmo à vista: muitos que têm tendências suicidas ainda acabam pondo fim em suas próprias vidas, mesmo com intervenção intensiva.

Legado de Minha Mãe
A questão do que levou minha mãe para seu ato desesperado naquela noite úmida há quase 9 anos é a segunda coisa mais difícil de se conviver. Dificilmente um dia se passou que eu não tenha sido perfurada pela angústia de querer saber exatamente o que a levou ao suicídio naquela noite em especial, assim como a culpa esmagadora sobre o que eu poderia ter feito ou deveria fazer para detê-la. A coisa mais difícil com que eu tenho de viver é a constatação de que nunca vou saber a resposta.

No futuro, algumas partes dessa história devem se tornar menos misteriosas, porque hoje os pesquisadores estão estudando essas questões. Uma pergunta é se na velhice há uma tendência inata para cometer o suicídio ou isso é o resultado de uma acumulação de experiências ruins.

Apesar do debate natureza versus criação ainda ganhar atenção em alguns círculos psiquiátricos, a maioria dos pesquisadores que estudam o suicídio ficam em algum lugar no meio disso. "Você precisa de várias coisas funcionando errado de uma só vez", explica Victoria Arango, do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York, que é afiliada com a Columbia-Presbyterian Medical Center.

“Eu não estou dizendo que o suicídio é puramente biológico, mas ele começa com ter um risco biológico fundamental.” Experiência de vida, estresse agudo e fatores psicológicos desempenham papéis diferentes para cada um, ela afirma. Na raiz do mistério de suicídio, no entanto, encontra-se um sistema nervoso cujas linhas de comunicação tornaram-se emaranhados insuportavelmente dolorosos em nós.

Arango e seu colega na Columbia, J. John Mann, estão liderando esforços para desfazer esses nós e discernir a neuropatologia do suicídio. Eles montaram o que é geralmente reconhecido por ser a melhor coleção do país de espécimes de cérebros de vítimas de suicídio. Em seus laboratórios, dispõem de 25 congeladores com um total de 200 cérebros, que os pesquisadores estão examinando de forma neuro-anatômica, química e genética, buscando encontrar alterações que possam ser exclusivas para aqueles compelidos a acabar com suas vidas. Cada cérebro é acompanhado por uma "autópsia psicológica", um compêndio de entrevistas com membros da família e pessoas íntimas sondando o estado do falecido, de sua mente e do comportamento que o conduziu ao seu ato final. “Tentamos obter uma imagem completa“ - diz Mann - "e chegar a uma explicação agregada desta pessoa.”

O cérebro de um suicida é comparado com um cérebro controle, que vem a ser o de uma pessoa do mesmo sexo, sem transtorno psiquiátrico, que morreu aproximadamente com a mesma idade de uma causa diferente de suicídio.
Contidos no interior do cérebro humano em seu 1,5 kg de massa gelatinosa, estão suas células e moléculas que estavam indissoluvelmente ligados ao que aquela pessoa pensou uma vez - e, de fato, apenas uma vez.

A pesquisa de Mann e Arango se concentra em parte no córtex pré-frontal, a porção do cérebro encaixado no osso da testa. O córtex pré-frontal é a sede das chamadas funções executivas do cérebro, incluindo o censor interno que impede os indivíduos de deixar escapar o que realmente pensam em situações sociais embaraçosas ou agir de maneira impulsiva potencialmente perigosa.

O papel de amortecimento de impulso desempenhado pelo córtex pré-frontal particularmente interessa Mann e Arango. Os cientistas têm olhado para a impulsividade como preditor de suicídio por décadas.

Embora algumas pessoas planejem suas mortes cuidadosamente (deixando notas, vontades e mesmo planos para o funeral), para muitos, incluindo minha mãe, o suicídio parece ser espontâneo: uma má decisão tomada em um dia muito ruim.

Então Arango e Mann pesquisam nesses cérebros pistas sobre a base biológica da impulsividade. Um foco é sobre as diferenças na disponibilidade química de serotonina no cérebro: pesquisas anteriores sobre a base de impulsividade indicaram falta dela.

A serotonina é um neurotransmissor, uma das moléculas que salta as aberturas minúsculas conhecidas como sinapses entre os neurônios para transmitir um sinal de uma célula do cérebro para outra. Minúsculas bolhas membranosas chamadas vesículas irrompem a cada envio de sinais para o neurônio conhecido como pré-sináptico, liberando serotonina na sinapse. Receptores existentes na recepção, ligam os neurônios ao neurotransmissor e registram as alterações bioquímicas na célula seguinte, conhecida como pós-sináptica, que pode mudar a sua capacidade de responder a outros estímulos ligando ou desligando genes. Depois de um curto período de tempo, as células pré-sinápticas reabsorvem a serotonina usando esponjas moleculares denominadas transportadores de serotonina. A serotonina, de alguma forma, exerce uma influência calmante sobre a mente.

Prozac e similares são drogas antidepressivas que funcionam através da ligação aos transportadores de serotonina, impedindo neurônios pré-sinápticos de absorver muito rapidamente a serotonina secretada, permitindo que fique um pouco mais na sinapse e assim potencializando o seu efeito calmante.

Traços de Dor
Mais de duas décadas de relatórios têm ligado baixos níveis de serotonina no cérebro a depressão, comportamento agressivo e uma tendência à impulsividade, mas a evidência tem sido particularmente confusa com relação ao suicídio. Alguns estudos descobriram reduções de serotonina no cérebro de suicidas, ao passo que outros não têm essa redução. Alguns apresentam uma falta de serotonina em uma parte do cérebro, mas não em outros locais. Ainda outros têm descrito um aumento nos receptores de serotonina ou déficits na cadeia de acontecimentos químicos que transmitem o sinal da serotonina a partir desses receptores para o interior do um neurônio. Seria como se a serotonina perdesse sua atividade.

Apesar das inconsistências, a maior parte das provas aponta fortemente para um problema envolvendo o sistema da serotonina nos cérebros de suicidas. Essa linha de pensamento foi reforçada pelas recentes descobertas de Arango e Mann.

Em um laboratório do segundo andar na ponta superior de Manhattan, uma técnica da equipe de Arango inclina-se em um congelador aberto para usar uma máquina chamada um micrótomo¹ para recortar fatias de cérebro muito finas, que a luz atravesse facilmente. Trata-se de um cérebro congelado doado por parentes em luto, ansiosos para ajudar a ciência a resolver o mistério do suicídio. Usando uma escova, ela delicadamente adere-a na fatia de tecido gelado e a fixa em um vidro do tamanho de um negativo em um filme fotográfico. Com o calor do corpo de suas próprias mãos enluvadas, então ela derrete a fatia de cérebro sobre o vidro. Observar o processo é uma reminiscência de assistir a luz do sol em um dia de inverno gelado dissolver a geada em uma janela.

Os cientistas que trabalham com a coleção Columbia dividem o cérebro em hemisférios esquerdo e direito e, em seguida, cuidadosamente fazem a secção de cada hemisfério em 10 ou 12 blocos, de frente para trás. Uma vez congelado, cada bloco tem o rendimento de aproximadamente 160 fatias. Ao serem cortadas no micrótomo, são mais finas do que um cabelo humano.

A principal vantagem dessa abordagem é que os grupos de de Arango e Mann podem executar vários testes bioquímicos diferentes na mesma fatia do cérebro e conhecer as exatas localizações anatômicas das variações que encontram. Ao remontar as fatias, eles podem compilar um modelo geral de como as anomalias trabalham em conjunto para afetar um comportamento complexo.

Em uma conferência da American College of Neuropsychopharmacology, em 2001, Arango relatou que o cérebro de pessoas que estavam deprimidas e se mataram tinham menos neurônios no córtex pré-frontal orbital, um pedaço do cérebro que se localiza logo acima de cada olho. Nos cérebros de suicidas, esta área tinha apenas 1/3 do número esperado de transportadores pré-sinápticos de serotonina, e tinha também cerca de 30% a mais de receptores de serotonina pós-sinápticos. Juntos, os resultados sugerem que os cérebros dos suicidas estão tentando fazer o máximo com cada molécula de serotonina que têm, aumentando assim o equipamento molecular para absorver o neurotransmissor e ao mesmo tempo diminuir o número de transportadores que o absorvem de volta. "Nós acreditamos que há uma deficiência no sistema de serotonina em pessoas que cometem suicídio", conclui Arango. “Eles podem ser tão doentes que o Prozac não consiga ajudá-los." Inibir a recaptação da serotonina nem sempre é suficiente para prevenir o suicídio: para minha mãe não foi o suficiente, pois ela se matou apesar de tomar 40 miligramas de Prozac ao dia, uma dosagem mediana.

Mann e seus colegas estão tentando agora trabalhar com tomografia por emissão de pósitrons (PET). Isso pode ajudar um dia ajuda os médicos a determinar quais entre seus pacientes deprimidos têm os circuitos de serotonina mais distorcido - e têm, portanto, o maior risco de suicídio. O PET scan mede a atividade cerebral por monitoramento de quais regiões do cérebro que consomem mais glicose do sangue; a administração de medicamentos, tais como fenfluramina, que causam a libertação de serotonina, pode ajudar os cientistas a focarem em áreas cerebrais ativas que utilizam a serotonina.

Na revista Archives of General Psychiatry do mês Janeiro último, Mann e seus colegas relataram uma relação entre a atividade no córtex pré-frontal de pessoas que tentaram o suicídio e o potencial letalidade da tentativa. Aqueles que tinham usado os meios mais perigosos - por exemplo, tomando pílulas ou pulando de um lugar mais alto - tiveram menor atividade de serotonina no córtex pré-frontal. "Quanto mais letal a tentativa de suicídio, é maior a anomalia", Mann observa.

Ghanshyam N. Pandey, da Universidade de Illinois, concorda que o sistema fundamental para compreender o suicídio é a ação da serotonina no cérebro. "Existe uma grande quantidade de evidências que sugerem defeitos da liberação e recaptação de serotonina favorecendo o suicídio, mas esses defeitos não existem isoladamente, andam em conjunto com outros déficits", diz ele. “Todo o sistema parece estar alterado."

A hipótese sobre a serotonina não descarta importantes contribuições dos neurotransmissores, no entanto. A serotonina é apenas uma molécula na bioquímica intrincada da rede chamada eixo hipotalâmico-pituitário-supra-renal (HPA), em que o hipotálamo e hipófise no cérebro comunicam-se com as glândulas supra-renais que no topo dos rins. O HPA é responsável pela chamada reação de luta ou fuga, exemplificado pela pulsação de corrida e palmas das mãos suadas após uma ultrapassagem perigosa enquanto estiver dirigindo.

Em particular, o fator liberador de corticotrofina, um neurotransmissor característico do hipotálamo em tempos de stress, faz com que a hipófise anterior produza o hormônio adrenocorticotrófico, que por sua vez estimula o córtex adrenal a produzir glucocorticóides como o cortisol. O cortisol prepara o corpo para o estresse, aumentando as concentrações de açúcar no sangue, aumentando a frequência cardíaca e inibindo a reação excessiva da resposta imune. A serotonina age sobre o HPA modulando o limiar de estimulação.

Pesquisadores como Charles B. Nemeroff, da Escola de Medicina da Universidade de Emory, estão descobrindo que as experiências iniciais de vida extremamente adversas, como ter sido abusado na infância, podem deixar o eixo HPA fora de ordem. Isso literalmente significa deixar marcas bioquímicas no cérebro que o tornam vulneráveis ​​a depressão, como um resultado de exagero na exposição ao estresse.

Em 1995 o grupo de Pandey relatou indícios de que as anormalidades em circuitos de serotonina presentes em pessoas com risco de suicídio pode ser detectável através de um exame de sangue relativamente simples. Quando ele e seus colegas de trabalho compararam o número de receptores de serotonina em plaquetas (coagulação das células) no sangue de pessoas suicidas e de pessoas não-suicidas, eles observaram que os indivíduos cogitando o suicídio tinham muitos mais receptores de serotonina. As plaquetas também têm receptores para a serotonina e de fato absorvem quase toda a produção sangüínea dessa substância, embora não esteja claro o porquê. A produção cerebral de serotonina, até onde sabemos, é destinada apenas aos neurônios; por isso a ligação de ambas as coisas pareceu tão surpreendente.

Pandey e seu grupo concluíram que o aumento nos receptores reflete aumento similar nos cérebros com tendência suicidas - uma vã tentativa de angariar o máximo de serotonina possível. Para provar a ligação, Pandey gostaria de determinar se a associação ocorre também em pessoas que tentam realmente a tirar a própria vida. "Queremos saber se as plaquetas podem ser usadas como marcadores para identificação de pacientes suicidas", diz Pandey. “Estamos  fazendo progressos, mas ele é lento."

A Maldição de Gerações
Até que os pesquisadores possam desenvolver testes para prever aqueles com maior risco de suicídio, os médicos podem concentrar seus esforços nos parentes biológicos de vítimas de suicídio. Na edição de Archives of General Psychiatry de Setembro de 2002, Mann, David A. Brent do Western Psychiatric Institute and Clinic em Pittsburgh e seus colegas relataram os filhos de pessoas que tentaram o suicídio têm risco 6 vezes maior do que os de pessoas cujos pais nunca tentaram o suicídio. O link parece em parte ser genético, mas os esforços de definir uma predisposição de gene ou genes ainda não produziram quaisquer respostas fáceis. Em estudos no início dos anos 1990, Alec Roy, do Department of Veterans Affairs Medical Center em East Orange, N.J., observou que 13% dos gêmeos idênticos de pessoas que morreram por suicídio também eventualmente tiraram suas próprias vidas, ao passo que apenas 0,7% dos gêmeos fraternos fizeram o mesmo caminho que seus irmãos suicidas.

Estas estatísticas servem como avisos para mim e para outras pessoas com laços biológicos ao suicídio. Em um frasco pequeno no meu quarto eu mantenho uma bala da mesma caixa que continha a que matou a minha mãe. A polícia pegou a arma depois de sua morte, e eu mesma joguei fora as balas enquanto limpava seu armário do quarto. Mas eu gosto de pensar que eu me agarro a essa única bala fria de metal como um lembrete de como a vida é frágil e como um ato impulsivo pode ter conseqüências enormes. Talvez a ciência algum dia entenda melhor a base para tais atos horrorosos e famílias como a minha sejam poupadas.

© 1996-2003 Scientific American, Inc. All rights reserved. Reproduction in whole or in part without permission is prohibited.

*Eu dei umas adaptadas, mas realmente é um texto que vale a pena ser lido.
** No Brasil segundo a OMS 11.821 pessoas se suicidam por ano, dados de 2012.

¹Micrótomo: é o aparelho que faz cortes microscópicos, variando geralmente de 1 à 10 μm (micrômetros) de espessura, em pequenas amostras de material biológico (geralmente tecidos) em blocos de resina específica (gelatina ou parafina) para análise em microscópio óptico.

ARTIGOS CONSULTADOS PELA AUTORA

MANN, J. John et al. A serotonin transporter gene promoter polymorphism (5-HTTLPR) and prefrontal cortical binding in major depression and suicide.Archives of general psychiatry, v. 57, n. 8, p. 729-738, 2000.
ARANGO, Victoria et al. Localized alterations in pre-and postsynaptic serotonin binding sites in the ventrolateral prefrontal cortex of suicide victims.Brain research, v. 688, n. 1, p. 121-133, 1995.

MANN, J. John; BRENT, David A.; ARANGO, Victoria. The neurobiology and genetics of suicide and attempted suicide: a focus on the serotonergic system. Neuropsychopharmacology, v. 24, n. 5, p. 467-477, 2001.

Em milésimos de segundos detectamos a intenção de causar danos

Nota: traduzido por Erinete Leite
Uma equipe de pesquisadores argentinos mostraram como é o processo cerebral para identificar a intenção de prejudicar; é  um recurso chave para a sobrevivência. O sistema judiciário pode levar meses ou anos para provar que alguém agiu com "fraude"; isto é, maliciosamente, com a intenção de ferir. No entanto, o cérebro humano leva menos de um segundo. Embora isto já tenha sido assinalado em vários estudos, não se havia determinado ainda, com certeza, quais as áreas e  os circuitos cerebrais envolvidos nesta habilidade. Porém, com muito cuidado uma equipe liderada por Agustín Ibáñez, diretor do Laboratório de Psicologia Experimental e Neurociências no Instituto de Neurologia Cognitiva (Ineco-CONICET-nufin) , desenvolveram técnicas por meio das quais conseguiram  demonstrar quais as estruturas que estão envolvidas nesse processo e em que sequência: a amígdala, uma estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro1 é ativada  aos 125 milésimos de segundos, recrutando também outras áreas. O trabalho foi publicado na Brain, uma das revistas mais importantes na  área de  neurociência.

"Antes de três anos, as crianças detectam de forma rápida e automática  quando uma pessoa quer prejudicar ou causar dano ao outro", diz Ibáñez. Dois estudos do neurocientista francês Jean Decety com crianças de 1,5 a 2,5 anos mostrou que já nessa idade elas apresentam um estado de hiper-alerta a dano intencional. Determinar a intenção é não só uma capacidade crítica para a sobrevivência, mas também desempenha um papel importante no cenário moral: pois quando já passamos por danos iguais, sentimos mais raiva da situação, mais empatia para com a vítima e uma vontade maior de punir o agressor quando as ações são propositais."

Esta capacidade inspira muito interesse entre os neurocientistas, precisamente porque a partir do ponto de vista moral é creditado uma importância capital para intencionalidade: quase 80% das avaliações morais são baseadas na intenção, ao invés do resultado das ações.

AS DIFICULDADES

“O grande problema está em determinar exatamente onde o impulso nasce, pois trata-se de  um processo ultrarrápido, enquanto a maioria dos estudos de neuroimagem conta com uma resolução temporal de pelo menos um segundo. Em geral, os métodos de neuroimagem são correlacionais: não é possível saber se uma área é crítica ou não, - explica Ibáñez - pois são co-ativadas. Além disso, estudos que têm alta resolução temporal como eletroencefalografia (EEG) ou magneto encefalografia (MEG) têm pouca precisão espacial2. Isto torna os resultados incertos, por não se tratar de uma medida direta e sim de  uma estimativa matemática.”

Uma dificuldade adicional é que a amídala está rodeado por veias que vão para outras estruturas³. E  como as  neuroimagens captam mudanças na oxigenação do sangue, durante o experimento outras áreas também recebem estes vasos sanguíneos, sendo ativadas, e assim não se pode determinar com certeza se é a amígdala ou outras regiões que estão envolvidas.

Para superar todos esses obstáculos, o grupo contou com a valiosa contribuição da primeira autora do estudo, Eugenia Hesse, engenheira biomédica na Universidade Favaloro, que está fazendo doutorado na Ineco. Ela é responsável pela implementação de algoritmos necessários para registrar a atividade de 115 áreas do cérebro por meio de eletrodos intracranianos, colocados em três pacientes do Hospital Italiano que estavam aguardando a cirurgia para epilepsia refratária de medicamentos.

"É a melhor técnica para medir a atividade cerebral em seres humanos, a única que mede diretamente atividade cerebral", sublinha Ibáñez. "Cada pessoa tem implantado um sistema com 128 eletrodos e nós usamos algoritmos muito complexos para descartar aqueles que registram sinais epilépticos, a partir de informações clínicas", conta Hesse. Ninguém tinha a amídala afetada ou áreas próximas. Nós usamos todos os controles padrões que são usadas nos melhores estudos. Isso nos deu muita força."

Quando estavam conectados, foram mostrados para os pacientes vídeos de 1,7 segundos, com situações em que os danos a outras pessoas eram intencionais ou acidentais e também ações neutras.

"Em 3 sujeitos, sistematicamente, a amígdala respondeu de forma seletiva  para ações intencionalmente prejudiciais e em menos de 0,2 segundos - ilustra Ibáñez. E também previu a resposta do sujeito que ocorre segundos mais tarde: a ativação da amígdala previa a resposta de com uma taxa de 70% de acerto, o que é muito. Além disso, descobrimos que a amídala é seletiva, se comunicando precocemente com várias regiões do lobo frontal temporal, enquanto observa as ações intencionalmente prejudiciais ".

Para Facundo Manes, reitor da Universidade Favaloro, presidente da Fundação Ineco e coautor desse trabalho: "Este trabalho marca duas coisas: primeiro que o conhecimento atual se faz em equipe interdisciplinar e que já não são suficientes os esforços individuais; segundo, que hoje na Argentina pode-se fazer investigações com técnicas e métodos de primeiro nível.

Esta técnica de registro intracraniana com complexos paradigmas cognitivos é feita em poucos lugares do mundo. Buenos Aires está na vanguarda. Esses resultados foram alcançados através do sistema que criamos, onde os engenheiros, biólogos, psicólogos, neurologistas, psiquiatras, físicos e matemáticos trabalham em conjunto; algo que não é comum no mundo. É o primeiro estudo que mostra empiricamente o que se suspeitava apenas teoricamente ".

Ibáñez conclui: "Podemos mostrar que a amígdala é uma área  crítica e vital para a detecção da intencionalidade de dano, o que é a base da teoria da mente, da cognição moral e da empatia. Essa estrutura não só responde às ações danosas em 0,2 segundos, mas também  se conecta com outras áreas do cérebro ao mesmo tempo, formando uma "rede rápida" em que a amídala é o centro. Propomos que a amídala responde essencialmente com destaque ou relevância a qualquer evento importante, especialmente social."

¹ Amídala: literalmente, faz referência a “amêndoa”. Trata-se de um par de órgãos formadores de memória contíguos ao Striatum, maior estrutura do sistema límbico humano. As amídalas projetam-se dentro das abas laterais do cérebro, da parte de trás para a parte da frente, ficando junto ao hipocampo, outro órgão formador de memória, que fica bem na base das abas laterais. Suas principais conexões são com o córtex pré-frontal ventromedial (reconhecimento e expressão emocional) e com o hipotálamo (controle da composição do sangue).

² O EEG capta os pulsos elétricos produzidos por neurônios, geralmente com intensidade de 50-100 milésimos de volt e freqüência entre 5 e 30 pulsos/seg. O MEG, por sua vez, capta os campos magnéticos produzidos cada vez que os neurônios são ativados. As duas técnicas medem essencialmente a mesma coisa: um sinal resultante de milhares de neurônios ativando e desativando. A vantagem do EEG está em seu baixo custo, a vantagem do MEG está em não ser “perturbado” por sinais dos músculos da cabeça contraindo.

³ O cérebro gasta quantidades enormes de energia em seu funcionamento, na verdade até 25% de toda a produção calórica de um adulto. Por isso, as regiões não ativas são mantidas com baixa irrigação. A extensa rede de capilares no córtex e no sistema líbico é sensível à ativação dos neurônios: quando a atividade de algum aumenta, os capilares ao redor imediatamente dilatam, fornecendo mais sangue. Quando ele desativa, os capilares contraem e o sangue é desviado para outras áreas. Assim, técnicas como a Ressonância Magnética Nuclear Funcional (fMRN) e Tomografia de Emissão de Pósitrons (PET-SCAN) se baseiam em acompanhar os aumentos e diminuições de fluxo sangüíneo (ou compostos químicos) dentro do cérebro para saber quais áreas estão ativas. São técnicas com alta precisão espacial, localizam regiões ativas com precisão de milímetros. Porém, os vai-e-vens do fluxo sangüíneo são relativamente lentos: até que o fluxo aumente ou diminua, um neurônio pode ter produzido centenas de disparos. Logo, tais técnicas não têm “precisão temporal”. Com o EEG e o MEG, o problema é inverso: eles acompanham muito rápido a ativação dos neurônios, mas têm problemas em localizar as áreas ativas. Não têm “precisão espacial”.

O homem com dois cérebros: ideação suicida e a promessa da imortalidade

Nota de tradução: Tentei chegar o mais próximo possível, mais algumas comparações que o autor faz não são tão comuns ao cotidiano tupiniquim. Eu escolhi esse texto por achar apropriado tendo integração entre a questão psicológica e a neurociência.
Como alguém com transtorno afetivo bipolar, estou constantemente perdido sobre o abismo que me separa da visão technoprogressista que eu aspiro e a depressão grave que tem uma longa história na minha vida com tentativas de suicídio, e que vem por todo o caminho da minha adolescência até meus atuais quarenta e poucos anos. Deve ser evidente que eu não sou muito hábil nisso.
Eu estive hospitalizado várias vezes, a mais recente foi em março de 2015. Em fevereiro eu tomei mais de 350 medicamentos psiquiátricos diferentes, acabei na UTI por uma semana, sendo mantido vivo por um respirador.  Tive um despertar para os jantares hospitalares horríveis e uma psicose na UTI, na qual eu acreditava que tinha um homem com a máscara do filme Pânico olhando para mim, é e eu posso dizer que foi muito difícil, embora após assumir uma investida contra ele, no que resultou em todas as minhas agulhas e cânulas voando para todos os lados, tudo parecia melhorar e eu estava de volta finalmente ao mundo 'real'.
Eu estou tomando um coquetel de drogas que provavelmente irá falir o NHS¹ e recebo psicoterapia regular. Testes psicológicos extensivos revelaram que meus problemas não são de forma alguma baseados em questões psicológicas, ou seja, passados ou presentes de trauma, as circunstâncias de vida difíceis ou de saber quem é Justin Bieber, eu sei quem ele é. O que deixa a neurologia como a única explicação para as minhas mudanças de humor e sintomas associados - TOC leve, ansiedade e ataques de pânico, e humor intolerante que conduz a um distúrbio alimentar de todas as sortes.
A notícia de que meus problemas são neurológicos é realmente muito reconfortante - Sempre defendi que aparentemente não há nenhuma razão para as flutuações de humor e o fato de que essas flutuações parecem ser todas resultado da liberação irregular e reabsorção de neurotransmissores como a noradrenalina, serotonina e dopamina, provavelmente como resultado da genética, confirma minhas suspeitas de que isso é algo firmemente fora do meu controle, mas que Eu posso aprender a gerir. O próximo passo é uma tomografia computadorizada para confirmar ou não se tenho qualquer dano físico real no meu cérebro, tanto como uma causa para os meus sintomas bipolares ou como um resultado de muitas overdoses. Assumindo que parece nada, isto é drogas, estilo de vida saudável e a psicoterapia acima mencionado.
Portanto, uma questão deve ser colocada: Por que, quando eu tentei deixar de viver tantas vezes eu devia estar animado com as possibilidades de corpo e mente rejuvenescidos e maior duração de uma vida útil? A resposta é: eu não sei.
O que posso afirmar é que não é baseado na idéia de que meu transtorno poderia ser "curado" durante a minha vida. Não que isso não seja uma possibilidade, mas dada a complexidade e conhecimento ambíguo de precisamente como ele é causado, eu não tenho certeza que vou viver tempo suficiente para colher os frutos dos esforços científicos neste domínio, e supondo que eu não tenha ativamente uma mão na minha morte ou não.
Um papel importante é, sem dúvida interpretado por meus períodos de mania quando qualquer coisa e tudo parece possível. Como já escrevi em outro lugar (http://goo.gl/OoGMQ7), nesses momentos. Eu sou como uma propaganda ambulante para David Pearce’s Hedonistic Imperative ². Na minha euforia  iria felizmente oferecer meu cérebro para que fizessem pesquisa da minha condição, mesmo que se trate de mexer com o meu genoma para implantar eletrodos na minha cabeça. Inferno, eu mesmo me oferecia para ter  minha mente transferida para um computador, se você pode encontrar um ZX81 trabalhar em qualquer lugar (16 KB de RAM pacote opcional). Há alguns bits [trocadilho] e peças para resolver- nem toda mania é  luz solar e gatinhos, e eu posso ficar impaciente (todo mundo é tão lento) e irritável (todo mundo é tão errado) e em um cenário de pior caso, psicótico. Você certamente não gostaria que minha mente de upload ficasse no comando de códigos de lançamento nuclear.
E, claro, há o outro lado a ser considerada, a desolação e o desespero que vem com os episódios depressivos. Muitas vezes, com duração de meses a fio, esta é certamente a minha parte menos favorita do que se tornou conhecida como a "doença da celebridade '. Enquanto muito trabalho tem sido feito ligando a  doença mental grave, com a criatividade, para ser honesto, muitas vezes, o empreendimento mais criativo que eu posso conseguir é sair da cama e rastejar até a cozinha para uma xícara de chá. É naqueles dias em que as imortais palavras de anel Annie Lennox ecoam em meus ouvidos: "Morrer é fácil, e ele está vivendo o que me assusta até a morte” Tão longe, tão ho-hum.
A ideação suicida vem sobre mim muito rapidamente, sem aviso e  muitas vezes será posta em prática imediatamente. Há uma lacuna infinitesimal entre pensamento e ação, sem quaisquer gatilhos que eu tenha sido capaz de identificar, embora, se é puramente neurológica, bem pode ser que não existam tais gatilhos. Ela apenas o é.
Que tudo é para o bem é bom. Eu não temo a morte - como um ateu para mim o ato de morrer é como ver as luzes girando antes de fechar a porta atrás de mim. Na verdade, os maiores traumas que experimentei foram  acordar das minhas tentativas de suicídio  e não me livrar dessa vida mortal.
No entanto, aqui estou eu, muito vivo, com uma constituição aparentemente de ferro, em meio a um frenesi de escrita, o qual eu acho que faz fronteira com a genialidade, mas que eu, sem dúvida, vou ver a porcaria que é quando a minha mania diminuir. Bipolarismo é um fato na minha vida e o melhor que posso esperar é poder controlá-lo. Além do mais, aqui estou como um technoprogressive³, dada a oportunidade gostaria de ainda ter algo em torno de 500 anos de vida  para ver o que acontecerá com as gerações futuras, o nosso planeta, universo. Se criamos um ideal utópico, assim desejo, ou se nos aniquilaremos, de uma forma ou de outra, eu adoraria ver para saber. Então, como posso casar esses dois pontos de vista opostos? Isso me faz lembrar de uma citação Woody Allen: "Eu não tenho medo da morte, eu apenas não quero estar lá quando isso acontecer."
Bem como vejo, tenho 3 opções:
1. Não há muitas mudanças. Eu continuo um tanto quanto igual desde a minha adolescência tentando e, muitas vezes deixando de gerir as minhas mudanças de humor.
2. Eu realmente vou ficar atrás do David Pearce’s Hedonistic Imperative, e espero que sua previsão de que aqueles que estão lendo seu manifesto hoje são susceptíveis de se beneficiar das qualidades mais exóticas do paraíso da  engenharia e  que não acabem errados.
3. Eu me inscrevo como participante de pesquisa em tantos estudos sobre bipolarismo quanto eu posso, e fazer algo de útil para ajudar, se não a mim, em seguida, aqueles que se seguem.  Se alguém aí fora por ventura estiver procurando por esse participante - não procure mais.
Como alguém que apoia fortemente a autonomia corporal, deve ser  minha a decisão, a saber se eu vivo ou escolho morrer. É inevitável  o dia vai rolar mais uma vez, e eu vou mandar para dentro mais um punhado de drogas psicotrópicas com uma garrafa de malte único, para fazer os medicamentos descerem guela a baixo. Em meu estado de espírito atual parece inconcebível, que eu queira fazer uma coisa dessas. Há tanto para ver, para fazer, tanto mais que eu poderia alcançar, aprender, mas eu tenho suficiente auto-consciência para saber que um dia virá em que esses ideais se  parecerão como encanamentos de sonhos. Minha condição piora com a idade, apesar de minhas técnicas para colocar um fim nesse sofrimento  não parecem  aumentar na finesse, assim quem sabe, eu poderia sobreviver a todos vocês.
E se a Singularidade de passos até a marca salva o dia no último minuto? Acho que  devo uma bebida ao  Kurzweil, espero que sem as suas 100 ou mais vitaminas.
Uma última coisa: por favor, não descarte as pessoas com doença mental grave de participar do empreendimento humano. Muitas vezes podemos ver as coisas de forma muito diferente dos 'normais', mas o que seria extremamente útil como  projeto avançado pós-humano . Eu posso ser tão louco como um saco de rãs, mas eu gosto de pensar que ainda tenho mais a oferecer.
Assumindo que , assim como o resto de vocês, eu viverei tempo suficiente para realizá-lo.

Gareth John vive em Mid Wales; ele é um ex-budista  padre, com mestrado em Estudos Budistas da Universidade de Bristol,  tem realizado estudos sobre tradições não-monásticos dos tibetanos e budismo tântrico.
¹ NHS (National Health Service) é o nome do sistema de saúde público na Inglaterra, o equivalente ao SUS do Brasil
² O Imperativo Hedonista é um projeto que descreve como engenharia genética e nanotecnologia vai abolir o sofrimento em toda a vida senciente.
³ Technoprogressive: é uma postura de apoio ativo para a convergência de mudança tecnológica e mudança social. Techno-progressistas argumentam que a evolução tecnológica pode ser profundamente um empoderamento  à emancipação, quando  são reguladas pelas autoridades democráticas e responsáveis legítimos para garantir que seus custos, riscos e benefícios sejam todos bastante partilhados pelas partes interessadas reais para essa evolução

Voltando a escrever no fim de 2020 com planos para 2021!

 Oi pessoal já faz bastante tempo que não escrevo no blog, então eu gostaria de saber de vocês qual seria o assunto mais interessante, pois ...